JOÃO PALMA DA SILVA E O
RANCHO CRIOULO
Primeiras prendas do Rancho Crioulo
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O Centro
Canoense de Tradições Rancho Crioulo, foi a primeira entidade tradicionalista
criada em Canoas (6.6.1955) e uma das primeiras do Rio Grande do Sul a fazer
parte do Movimento Tradicionalista. Antes dele surgiram o 35 CTG de Porto
Alegre, fundado em 24 de abril de 1948; Minuano CTG de Iraí, fundado em 14 de março de 1949; CTG 93 de
Bagé, fundado em 9 de setembro de 1952; CTG Rincão da Lealdade de Caxias do Sul,
fundado em 29 de outubro de 1953.
De um texto,
cuja autoria nos é desconhecida, transcrevemos relato dos inícios do Rancho
Crioulo:
“A ação
preparatória para a fundação de um centro de tradições na cidade de Canoas,
durou dois anos. Nesse espaço de tempo,
ou seja, a partir de 1953, o iniciador do movimento, Sr. João Palma da Silva,
desenvolveu pessoalmente intensa campanha de divulgação, entre as classes
sociais canoenses, do sentido e dos objetivos do tradicionalismo.
Foi uma
campanha difícil, pois o assunto era ainda inteiramente novo em todo o Estado,
e até sofria, na época, interpretações muito controvertidas. Havia mesmo quem considerasse o
Tradicionalismo nascente como um movimento separatista em incubação, afirmando
que se procurava reeditar a revolução de 1935. Outros, ainda, afirmavam que o
tradicionalismo não passava de uma palhaçada, inaugurada por fanáticos
e saudosistas. Enfim, a incompreensão era quase geral, sobretudo numa cidade
como Canoas, cuja população era imensamente heterogênea.
Durante sua
campanha João Palma da Silva teve portas batidas no rosto, quando procurava
difundir seu ideal. Sabia ele que o
tradicionalismo, como movimento cultural, não poderia ser dinamizado por
pessoas incultas e sem trato social. Por
isto fazia questão de mobilizar, para a fundação de seu centro, pessoas em
condições de compreender, pelo menos na generalidade, o sentido da obra projetada. Sabia também que muita gente iria confundir o
tradicionalismo que, sendo um movimento, implicava necessariamente, em
orientação intelectual, com o regionalismo que é apenas um estado mais ou menos
emocional em relação aos costumes e vivências próprias do povo. Não ignorava também a que perigos estaria
sujeito o centro de tradições, se fosse invadido por pessoas sem cultura,
embora amantes das motivações gauchescas.
Estas pessoas, além da confusão que fariam, se tornariam exacerbadas e,
como tal, funestas, como acontece com os nacionalistas extremados.
De modo
algum a tarefa se apresentava fácil. Entretanto, como contava com amigos
intelectuais da Capital, prontos a auxiliá-lo, bem como já contava com o
apoio de alguns intelectuais de Canoas e
pessoas instruídas, considerou chegada a ocasião. Com o propósito de tranqüilizar a população
civil de Canoas acerca da idéia apregoada, segundo a qual o tradicionalismo
“era uma doida aventura separatista”, cercou-se
de um grupo de companheiros de farda
para a arrancada decisiva. Sendo a
Aeronáutica um órgão federal, obviamente não iria partir dali semelhante
absurdo. Dias antes da fundação do
Centro, no alojamento da Companhia de Guardas, então comandada pelo major
Geraldo Gilberto Ludwig, João Palma da Silva realizou, com Bolivar Madruga
Duarte e o referido major, a reunião preparatória para a fundação.”
ATA DE FUNDAÇÃO DO CCT
RANCHO CRIOULO
“Aos seis
dias do mês de junho de mil novecentos e cinquenta e cinco , reuniram-se na
sede do “Clube Gaúcho” os interessados na fundação de um centro de tradições
que tomou o nome de “Rancho Crioulo” Centro Canoense de Tradições, homenagem pelo nome tomado ao belo livro de
poesias de João Palma da Silva, poeta e folclorista idealizador do movimento
tradicionalista nesta cidade. Aberta a
sessão inaugural pelo Major Alberto Lopes Peres, este chamou para constituir a mesa presidencial o Exmo. Sr.
Prefeito Municipal Sady Fontoura Schwitz, o historiador e folclorista Walter
Spalding e o jornalista e poeta Antônio Augusto Fagundes. O Major Alberto Lopes Peres passou a palavra
ao Prof. Walter Spalding, convidado a presidir a sessão inaugural. Ao assumir a
presidência da mesa, o Prof. Walter Spalding dirigiu breves palavras à
assistência, interrogando sobre a
proposição feita para que a fundação fosse nesta data presente. Pela aquiescência unânime dos presentes, o
Rancho Crioulo Centro Canoense de Tradições foi dado como oficialmente
fundado. E, por constar, eu, Bolivar Madruga
Duarte, secretário Ad-hoc, lavrei a presente ata que vai por mim datada e
assinada, com a aposição das assinaturas de todos os presentes. Canoas, 6 de
junho de 1955. Aprovada: Walter Spalding.”
Assim ,
graças a uma campanha preparatória de dois anos, árdua e difícil, a fundação do
Rancho Crioulo contou com a presença de
mais de oitenta pessoas, que foram os primeiros associados e fundadores.
PRIMEIRA DIRETORIA DO
RANCHO CRIOULO
Encerrada a
sessão de fundação, o presidente da Mesa, Prof. Walter Spalding, instalou uma
sessão ordinária, na qual foi aclamada a diretoria sugerida em chapa única e
que foi assim constituída: Presidente (Patrão) João Palma da Silva;
Vice-Presidente (Capataz) Antônio Canabarro Tróis; Secretários (Sota-Capataz) Bolivar Madruga Duarte e Rubem Costa; Tesoureiros (Agregados) Sady Ouriques Charão
e Abelardo Rubim Filho. Para o Conselho
Fiscal (Vaqueanos) foram eleitos os
seguintes cidadãos: José João de Medeiros, Dr. Sezefredo Azambuja Vieira, Breno
Costa, Major Geraldo Gilberto Ludwig, Dr. Tulio Medina Martins e Dr. Edson
Medeiros.
Para os
respectivos departamentos, foram escolhidas as seguintes pessoas: História, Dr. Eugênio Carneiro;
Folclore, João Canabarro Tróis; Artes, Professora Ondina Flores Soares;
Social, Professora Jacy Vargas; Museu e Biblioteca, Professora Sara Del Cueto
Reis; Campeira, Alcebíades Machado.
Com um mês
de Existência, o Centro aumentava em várias dezenas o seu número de associados,
vindo a realizar a 6 de julho uma assembléia para a aprovação definitiva dos
Estatutos. Foi nesta Assembléia que um
sócio, Sr. Derocy, certamente levado pelo entusiasmo, propôs, sob
espontâneo e caloroso aplauso da
assembléia, que os membros do Rancho Crioulo sempre que se reunissem em sessões
“vestissem os trajes característicos do gaúcho.”
Ora, João Palma da Silva, evitara mesmo de dar ao
seu “Centro” a designação de centro de
tradições gaúchas (CTG), como para
indicar que o Rancho Crioulo não se destinava a reviver o gauchismo, como já vinha acontecendo, mas ter
apenas como pano de fundo a tradição para atividades mais amplas e
culturais. De uma palestra proferida por
ele dias mais tarde, colhemos as seguintes definições que ainda hoje podem
servir de forma a qualquer entidade tradicionalista:
“O Rancho
Crioulo não foi criado para reviver o passado, mas para estudar o passado do
Rio Grande e divulgar, pela arte (cinema , teatro, artes plásticas,
apresentações artísticas, outras), e pela palavra escrita ou falada
(publicações, conferências ou palestras), aqueles aspectos da tradição gaúcha
que possam contribuir para o
melhoramento da sociedade. E, como é óbvio,
considerando que a sociedade está em perpétua evolução. Para o Rancho Crioulo, ao contrário do que
acontece à maioria dos CTGs a idéia nuclear
do Tradicionalismo não está no tosco peão de estância à moda como
geralmente é retratado, um tipo sem rumo no tempo e no espaço, mas
transfigurado no “Monarca das Coxilhas”, amante da liberdade, sim, mas de
domicílio certo, cujas principais qualidades estão no caráter moral.
Não é traje
gauchesco, nem a cópia servil ao modo de ser do rústico peão de estância, com
suas expressões bárbaras e atitudes grotescas que devem caracterizar o
tradicionalismo. Cumpre compreender que quando poetas e
escritores empregam na sua arte termos e modismos gauchescos, eles fazem
regionalismo apenas e não tradicionalismo.
Das qualidades de tais obras de arte é que depende a sua maior ou menor
importância para o tradicionalismo.
Assim, o valor do poemeto “Antônio Chimango”, de Ramiro Barcelos,
consiste na fidelidade com que descreve uma fase da vida pastoril do Rio
Grande. E é o valor, pois, do poemeto,
que o torna do interesse do tradicionalista.
Outro tanto se pode dizer da obra de João Simões Lopes Neto. Entretanto, seria rematada tolice, e até quixotismo, face ao progresso moderno,
se se quisesse hoje, mesmo no âmbito de centros de tradições a não ser como
manifestação de arte, cultura ou recreação, reproduzir vivências descritas por
Ramiro Barcelos e João Simões Lopes Neto.
Sendo o
tradicionalismo um movimento, implica em ter direção cultural, normas corretas
para a dinamização de suas atividades.
Não pode, evidentemente, ficar ao sabor de um regionalismo saudosista,
que pretende ridiculamente reviver “coisas idas e vividas.” Ao contrário disto
o movimento terá ação negativa, vindo a caracterizar-se pela vulgaridade e
acabando por cair no repúdio popular. Mesmo nas recreações deve haver
comedimento e moderação.
O Rancho
Crioulo, centro que pretende ser modelar, deve manter as seguintes normas, atendendo à época e às condições da sociedade
onde vive:
a) – Apenas
em apresentações artísticas deverá ser obrigatório o uso de traje gaúcho, bem
como nos desfiles a cavalo, isto para os participantes de tais atividades. Nota: no caso de apresentações folclóricas de
outras regiões do Brasil ou de outros países, como Espanha, Portugal, Alemanha,
etc., os trajes deverão ser os correspondentes. Tais apresentações artísticas,
no centro e fora dele, serão feitas como exibição de teatro, e não com a
vulgaridade da vida ordinária.
b) – Nos
bailes, as danças serão animadas por música de todo o Brasil, antigas e
modernas, desde que ultrapassadas de 15 a 20 anos. Isto constituirá uma recreação agradável para
pessoas de todas as idades, sobretudo para as mais velhas. O traje para estes bailes deverá ser
exclusivamente de passeio. O Rancho Crioulo poderá promover mais as seguintes
recreações: Fandangos, com músicas e trajes exclusivamente à gaúcha, só podendo
participar das danças sócios trajados à caráter. Bailes de Carnaval, com fantasia ou não e
animados por músicas consideradas ultrapassadas de 15 a 20 anos, pelo menos
(carnaval antigo). Bailes juninos, a
estilo caipira, evitando rigorosamente fantasias ou detalhes que choquem pelo
mau gosto, como escovas de dente no bolso e coisas assim.
c) – Os
desfiles a cavalo só poderão ser feitos dentro de rigoroso critério, com
seleção de cavaleiros e montarias, e com um número nunca inferior a trinta
campeiros montados, com clarim e bandeiras à frente. Fora dessas condições é preferível não
realizar nenhum desfile.
d) – A
ornamentação do salão de festas deve ser rigorosamente à gaúcha, bem como a
decoração de todo o ambiente, tudo em estilo artístico.
e) – Os
requisitos essenciais e indispensáveis para
integrar o quadro social do Rancho Crioulo, são: Dignidade moral pública e privada, espírito
de cordialidade, de fraternidade e de convivência social. Estas são as
tradições gaúchas que importam manter pelo tempo a fora, muito mais importantes
que o uso da bombacha ou expressões chulas acaso usadas nos galpões.”
Com esta
clara noção equilibrada do sentido de um autêntico tradicionalismo, figurado
não apenas na idéia nuclear do centauro dos pampas, mas especialmente na dignidade
e caráter moral nele manifesto, João Palma da Silva conclui que o elemento
tradição deve servir de fundamento cultural à moderna sociedade rio-grandense,
e isto, no que a tradição tem de sopro
espiritual do passado.
Não diz ele que o tradicionalismo, mesmo como vem
sendo processado, haja deixado de operar positivamente. Mas afirma que as contrafações tem
comprometido e desacreditado de tal modo o movimento, que este só se poderá
salvar mediante um vigoroso pretexto lançado em congresso. Ou então que cada centro, que possa contar
com liderança intelectual, acabe encontrando isoladamente o melhor caminho.
Segue uma
seqüência de fotos tiradas durante a 1ª Ronda Crioula do Rancho, ainda em
1955, recentemente descobertas, gentilmente cedidas pelo amigo, jornalista e pesquisador, José Luis Biulchi de Souza.
João Palma da Silva, Padre Leão Hartmann e José João de Medeiros
João Palma da Silva e José João de Medeiros
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onde consta sua biografia e bibliografia.