domingo, 13 de outubro de 2019


O MITO DO GAÚCHO
Texto de Dari José Simi
Ao longo da História o sentido da palavra gaúcho passou por profundas transformações. Por volta de 1787, ocorreu o primeiro registro da palavra gaúcho, documentado por José de Saldanha em seu diário: “palavra espanhola usada neste país para designar os vagabundos ou ladrões do campo que matam os touros chimarrões, tiram-lhes o couro e vão vender ocultamente nas povoações”. Mais tarde, estancieiros motivados pela necessidade de mão-de-obra especializada no manejo de gado e na lide campeira, passaram a incorporar esses gaúchos nas suas estâncias. Com o passar do tempo, esse vocábulo também passou a ser empregado para designar os demais trabalhadores da estância: peões, campeiros, diaristas...
Contudo, a modificação radical do significado da palavra gaúcho foi obra da literatura, tendo a História servido como um pano de fundo para a criação mítica do personagem gaúcho. Prova disso, são os personagens de Caldre e Fião nos seus romances A Divina Pastora e O Corsário e de Apolinário Porto Alegre em O Vaqueano, que serviram para modificar o sentido pejorativo do gaúcho e transformá-lo em “monarca das coxilhas”,homens corajosos, leais e libertários.
O tradicionalismo deu ainda mais força ao mito do gaúcho, que foi criado pela literatura. A crença de que os Centros de Tradições Gaúchas fossem guardiãs do passado heroico do gaúcho, contribuiu para que esse ser mítico fosse um ser coerente com a História. Essa figura, a qual as pessoas se identificam erroneamente, serviu de padrão para construir uma identidade riograndense até hoje. Em todas as áreas, do lazer ao conhecimento, da música às artes plásticas, o ser inventado se impôs como o ser da coerência histórica. O último resquício tradicional, representado pelos campeiros, devido à incultura, acabou por aderir ao padrão citadino de gaúcho. Em um movimento cultural, os tradicionalistas foram além e criaram uma cultura em cujo epicentro se posicionaram como os herdeiros protótipos da identidade rio-grandense.
A partir dessa crença, que já persiste por tanto tempo, se entende o motivo pelo qual o gaúcho se tornou, conforme Luiz Marobin (A Literatura no Rio Grande do Sul), “uma atitude mental, um esquema psíquico, que atua no subconsciente”. Segundo este autor, os gaúchos, independente de suas diferenças são levados por um sentimento interior de unidade, que os distingue dos demais habitantes do restante do país. Por outro lado, Antonio Augusto Fagundes (E o gaúcho morreu? - In "Nós, os gaúchos) chama a atenção para um outro olhar sobre a visão do gaúcho e aponta para a crescente expansão do gauchismo, principalmente nos Centros de Tradições Gaúchas, onde “gente que deixou o campo recriou na cidade o pagus idealizado”.
Há mais de um século que se criou o “Monarca das Coxilhas”, e, entretanto, é ainda essa imagem mental do gaúcho que ganha projeção na cultura rio-grandense. De certa forma, a criação do mito do gaúcho herói foi tão importante para a cultura rio-grandense. Esse mito ajudou a criar uma identidade e um senso de autoafirmação em um povo que, anteriormente, não tinha consciência de quem era ou a quem pertencia, devido aos vários conflitos, guerras, revoluções e sucessivas mudanças no território gaúcho.










































 











EXPOSIÇÃO “HISTÓRIAS DO SUL”

Nosso acervo particular de antiguidades gaúchas está em uma exposição no Museu Municipal Hugo Simões Lagranha, situado na Av. Victor Barreto, nº 2186, centro de Canoas. A exposição tem por título “Histórias do Sul.” A mostra faz parte da 13ª Primavera de Museus, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus, com o apoio da Secretaria Municipal da Cultura e do Turismo de Canoas. Está aberta para a visitação pública durante todo o mês de setembro de 2019 , nos horários de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h e aos sábados das 14h às 18h.
Resgatar os hábitos e os costumes do povo sulista dos séculos XIX e XX é o objetivo principal da exposição, que conta com instrumentos musicais, armas brancas, ferramentas diversas, objetos domésticos, material indígena, livros, pinturas, documentos, etc.
Os objetos expostos trazem lembranças aos mais velhos e aguçam a curiosidade dos jovens e crianças, projetando um cenário imaginário da vida campeira gaúcha.
Visitas guiadas podem ser agendadas pelos e-mail:
Ivone. frare@Canoas.rs.gov.br e edison.rosa@Canoas.rs.gov.br.































O CLARIM FARROUPILHA

“Era um humilde. Duas coisas, apenas, bastavam para encher sua vida de modesto filho de posteiro gaúcho: seu clarim e a irredutivel fidelidade a Bento Gonçalves.
Em Sarandi,India Muerta, Passo do Rosário, Jaguarão, onde quer que o Herói estivesse e pelejasse, lá estaria Antônio Ribeiro transmitindo vozes de comando, pelas notas sonoras de seu instrumento.
Em 19 de setembro de 1835, na estrada de Viamão, numerosa cavalaria descansava. Os Cavaleiros, com os animais pela rédea, sem abandonar a ordem de marcha, fumavam, sentados na relva, fazendo comentários e prognósticos sobre os acontecimentos que começavam a desenrolar-se.
Afastados da tropa, Bento Gonçalves e Onofre Pires falavam, em voz baixa, trocando impressões e combinando planos. A poucos passos, o velho clarim permanecia em silêncio, de pé, apoiando-se sobre o cavalo ensilhado, o olhar atento aos menores gestos do Chefe.
Em dado momento, este faz um sinal e, logo, Antônio Ribeiro, levando o metal à boca, dá o toque de “sentido” sem adivinhar, certamente, que esse toque acordava o Rio Grande para uma luta de dez anos.
Os cavaleiros montam vivamente e, guiados por Onofre Pires, iniciam a caminhada vitoriosa para a conquista de Porto Alegre.
Daí por um decênio, o clarim não cessou de vibrar.
Taquari, Vacaria, Rio Pardo, São José do Norte, Alegrete, Pelotas, Triunfo, Ponche Verde...
Toques frementes de avançar, clarinadas alegres de vitórias, notas melancólicas de retiradas, entre lamentações de derrotas.
Durante dez anos...
Sonorizando as cochilhas, sobrepondo-se ao zunido dos ventos fortes, em dias invernosos, acordando os rebanhos e os quero-quero, nas calmas noites de verão, rolando harmoniosa e clara pelas canhadas do pago.
Em 1847 tocou pela última vez, quando descia ao seio da terra o corpo do Chefe idolatrado.
Depois emudeceu.
Mais tarde, quando o levaram à sepultura anônima, respeitaram-lhe a última vontade, sepultando com ele o clarim, seu companheiro inseparável de toda a vida.
No entanto, já muitos anos depois, andantes ou campeiros, que, em noites de grande calma, cruzavam a planície adormecida, acreditavam ouvir notas sonoras, como de um clarinar distante.
Era, diziam, a alma de Antônio Ribeiro vibrando seu velho clarim de guerra, chamando os lutadores tombados no Pampa, para recomeçar a grandiosa epopeia dos farrapos.”
Assim escreveu, conforme sua imaginação, o historiador Arthur Ferreira Filho, em seu livro “Legendas do Rio Grande”, de 1950, as lendárias peripécias de Antônio Ribeiro e seu clarim farroupilha.
“Gesta de um clarim”, longo poema de Guilherme Schultz Filho: três estrofes apenas, para não alongar mais:
Cemitério do Cordeiro,
Encostas do Camaquã
Ouvia-se de manhã
O som de um clarim guerreiro.
Dizem que Antônio Ribeiro
Vinha ali ao clarear do dia,
Em cívica romaria
À sepultura de Bento.
E do glorioso instrumento
De memoráveis campanhas
Tirava notas estranhas
De estranhas sonoridades,
Acordando as soledades
Das quebradas ignotas...