domingo, 13 de outubro de 2019



O CLARIM FARROUPILHA

“Era um humilde. Duas coisas, apenas, bastavam para encher sua vida de modesto filho de posteiro gaúcho: seu clarim e a irredutivel fidelidade a Bento Gonçalves.
Em Sarandi,India Muerta, Passo do Rosário, Jaguarão, onde quer que o Herói estivesse e pelejasse, lá estaria Antônio Ribeiro transmitindo vozes de comando, pelas notas sonoras de seu instrumento.
Em 19 de setembro de 1835, na estrada de Viamão, numerosa cavalaria descansava. Os Cavaleiros, com os animais pela rédea, sem abandonar a ordem de marcha, fumavam, sentados na relva, fazendo comentários e prognósticos sobre os acontecimentos que começavam a desenrolar-se.
Afastados da tropa, Bento Gonçalves e Onofre Pires falavam, em voz baixa, trocando impressões e combinando planos. A poucos passos, o velho clarim permanecia em silêncio, de pé, apoiando-se sobre o cavalo ensilhado, o olhar atento aos menores gestos do Chefe.
Em dado momento, este faz um sinal e, logo, Antônio Ribeiro, levando o metal à boca, dá o toque de “sentido” sem adivinhar, certamente, que esse toque acordava o Rio Grande para uma luta de dez anos.
Os cavaleiros montam vivamente e, guiados por Onofre Pires, iniciam a caminhada vitoriosa para a conquista de Porto Alegre.
Daí por um decênio, o clarim não cessou de vibrar.
Taquari, Vacaria, Rio Pardo, São José do Norte, Alegrete, Pelotas, Triunfo, Ponche Verde...
Toques frementes de avançar, clarinadas alegres de vitórias, notas melancólicas de retiradas, entre lamentações de derrotas.
Durante dez anos...
Sonorizando as cochilhas, sobrepondo-se ao zunido dos ventos fortes, em dias invernosos, acordando os rebanhos e os quero-quero, nas calmas noites de verão, rolando harmoniosa e clara pelas canhadas do pago.
Em 1847 tocou pela última vez, quando descia ao seio da terra o corpo do Chefe idolatrado.
Depois emudeceu.
Mais tarde, quando o levaram à sepultura anônima, respeitaram-lhe a última vontade, sepultando com ele o clarim, seu companheiro inseparável de toda a vida.
No entanto, já muitos anos depois, andantes ou campeiros, que, em noites de grande calma, cruzavam a planície adormecida, acreditavam ouvir notas sonoras, como de um clarinar distante.
Era, diziam, a alma de Antônio Ribeiro vibrando seu velho clarim de guerra, chamando os lutadores tombados no Pampa, para recomeçar a grandiosa epopeia dos farrapos.”
Assim escreveu, conforme sua imaginação, o historiador Arthur Ferreira Filho, em seu livro “Legendas do Rio Grande”, de 1950, as lendárias peripécias de Antônio Ribeiro e seu clarim farroupilha.
“Gesta de um clarim”, longo poema de Guilherme Schultz Filho: três estrofes apenas, para não alongar mais:
Cemitério do Cordeiro,
Encostas do Camaquã
Ouvia-se de manhã
O som de um clarim guerreiro.
Dizem que Antônio Ribeiro
Vinha ali ao clarear do dia,
Em cívica romaria
À sepultura de Bento.
E do glorioso instrumento
De memoráveis campanhas
Tirava notas estranhas
De estranhas sonoridades,
Acordando as soledades
Das quebradas ignotas...












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