ANTONIO CHIMANGO, POEMETO CAMPESTRE
Série: Poetas do Passado Rio-Grandense
Pesquisa: Dari José Simi
Capa da 1ª edição, 1915 O desenho é de autoria de Amaro Juvenal (Ramiro Fortes de Barcellos) |
Pesquisa e fotografias de Dari José Simi
Este artigo publiquei em meu blog O POVO DO SUL em 2013, na série Poetas do Passado Rio-Grandense. Outros poetas da mesma série publicados no blog: Francisco Lobo da Costa; Clarinda da Costa Siqueira; Padre Pedro Luís Botari e Raul Sotero de Souza.
Antônio Chimango, poema
satírico publicado em 1915 pelo médico, jornalista e político gaúcho Ramiro
Fortes de Barcellos (1851-1916), sob o pseudônimo de Amaro Juvenal.
Antonio
Chimango satiriza a figura do poderoso governador do Rio Grande do Sul, Antônio
Augusto Borges de Medeiros, representado em gravura de capa do livreto por uma ave de rapina, o
chimango (Milvago chimango). Essa ave habita o sul do Brasil, Argentina,
Uruguai, Paraguai e Chile.
O poemeto
campestre, como o chamou seu autor, foi impresso em uma tipografia da cidade de
Pelotas (Officina a Vapor no Parque de Pelotas) e distribuído clandestinamente
em várias edições. Hoje contam-se mais
de vinte edições da obra que mudou os rumos da história em seu contexto
sócio-político de inícios do século XX.
O episódio
político que deu origem ao Antonio Chimango teve lugar em 1915, durante o
segundo governo de Borges de Medeiros, primo de Ramiro Fortes de Barcellos.
Antonio Augusto Borges de Medeiros
Houve,
naquela ocasião, uma dissidência no Partido Republicano Rio-Grandense, do qual
Borges de Medeiros era o chefe unipessoal, acumulando essas funções com a
presidência do Estado.
Causa da
dissidência: a indicação do marechal Hermes da Fonseca, que deixara a presidência
da República coberto de aleivosias, para ocupar, no Senado, a vaga então aberta
na representação do Rio Grande do Sul.
A indicação
fora feita por Pinheiro Machado e logo aceita por Borges de Medeiros.
Houve
membros do Partido Republicano Rio-Grandense que não concordaram com essa
candidatura, entre os quais Ramiro Barcelos, que também pretendia o cargo de
Senador, ocorrendo, então, a dissidência partidária que, por sua vez, daria lugar ao aparecimento
do “Antonio Chimango”.
Para
escrever a sua obra imortal, Ramiro Barcellos adotou o estilo literário do “Martin Fierro”, de José Hernández e do
“Santos Vega, el payador”, de
Hilario Ascasubi, obras consagradas do regionalismo argentino.
Maria Helena Martins escreve que o poema “mostra um ângulo peculiar do gaúcho e do seu contexto vivencial, através de um espírito crítico, amargo mas humorado, que lhe valeu a caracterização de “poema satírico” ou “sátira política”. Para o público sul-rio-grandense das primeiras décadas deste século (século XX), seria transparente tratar-se da caricatura de um período político e de seu expoente no governo Borges de Medeiros.”
“Antonio Chimango é um poema narrativo,
composto de cinco cantos (rondas, para o
autor), num total de 1278 versos, dispostos em sextilhas. Cada ronda contém
duas partes, apresentando episódios diversificados e mais ou menos
independentes, mas cuja inter-relação levará a compreender a obra de modo
efetivo. Em cada ronda, a parte inicial gira em torno de paisagem e do homem da Campanha, em sua lida diária,
bem configurada na caracterização da personagem Lautério. E este velho tropeiro
cantador se torna elemento de ligação, pois na parte final de cada ronda, é
quem relata a trajetória – do obscuro nascimento à conquista do poder – de “um
tal Antônio, Chimango por sobrenome”. (Maria Helena Martins – “Agonia do Heroísmo, contexto e trajetória
de Antonio Chimango”. Porto Alegre:Editora da UFRGS; L&PM, 1980, p. 31)
Natural de
Cachoeira do Sul, RS, onde nasceu a 23 de agosto de 1851 e faleceu em Porto
Alegre a 28 de janeiro de 1916. Era filho de Vicente Loreto de Barcellos e
Idalina Pereira Fortes. Médico formado pela Escola de Medicina do Rio de
Janeiro; foi Ministro Plenipotenciário
do Brasil na República do Uruguai;
Secretário da Fazenda e Deputado
Provincial do Rio Grande do Sul ; Senador da República pelo Estado do Rio
Grande do Sul.
Segundo
pesquisas de Guilhermino Cesar nas coleções da Biblioteca Rio-Grandense, da
cidade de Rio Grande, "já em 1882, quando fundou com Graciano Alves de Azambuja
o jornal O Novo Mundo, de vida efêmera, adotava Ramiro Barcellos o pseudônimo
de Amaro Juvenal. Em 6 de janeiro de 1883, no quinto número da mesma folha,
publicou o folhetim Único, onde satiriza a incontinência do Imperador na concessão de títulos
nobiliárquicos. E no primeiro número de
A Federação , que é de 1º de janeiro de 1884, publicou com o mesmo pseudônimo a
famosa Carta a D. Isabel. (V. Guilhermino Cesar, O outro Amaro Juvenal, in Suplemento Literário do Diário de
Notícias, de 29 de junho de 1958).
Mais tarde,
quando do seu rompimento com o chefe do partido a propósito da candidatura de
Hermes da Fonseca, ele mesmo se refere ao Amaro Juvenal que assinava artigos de
aguda mordacidade, mas desta vez para comunicar que o adversário terá sua
biografia traçada pelo mesmo satirista.
Observa então em artigo publicado no Correio do Povo de agosto de 1915,
sob o título Comentários políticos: “Na campanha a que me atirei, na nobre
tentativa de salvar por um protesto solene a honorabilidade de nossa terra
natal, opus-me à vontade do Sr. Borges de Medeiros, mas não o insultei, não o
injuriei, não o enxovalhei, não ataquei a sua honra pessoal. S. Exc.ª, incapaz
de defender com argumentos o atentado político a que ligou a sua
responsabilidade , vem agredir-me pessoalmente pelas colunas da Federação. Pois
terá o troco que merece, na altura de sua agressão. E vai lucrar muito com
isso, porque terá a sua biografia política escrita por um contemporâneo desde o
tempo da propaganda e que lhe ficou bem conhecido o valor, desde a passagem de
um certo telegrama a Julio de Castilhos, logo após o golpe de Estado do Sr.
Lucena. Essa biografia, porém será escrita por Amaro Juvenal, porque o assunto
dá para tirar conclusões alegres de episódios tristes.” (Amaro Juvenal – Antonio Chimango, poemeto campestre.
Porto Alegre:Editora Globo, 1961, p.117).
Auto-retrato de Ramiro Barcellos
Auto-retrato de Ramiro Barcellos
Capa da 2ª edição, que foi publicada somente em 1923. A capa conservou-se a mesma da 1ª edição de 1915 |
O autor de Antonio Chimango |
Folha de rosto da edição de 1932 (5ª edição do Antonio Chimango) com a continuação feita por Juvenal, o moço (Homero Prates) |
A 3ª edição do poemeto foi publicada em Porto Alegre em 1925 por Amaro Juvenal e sem folha de rosto como a 1ª e 2ª edições.
A edição feita por Arnaldo Melo, 4ª edição do Antonio Chimango, publicada em Santa Maria, sem folha de rosto, traz no final do poema a seguinte nota: “A continuação desta história o leitor a encontrará no livro A História de D. Chimango, por Homero Prates”.
Capa da 5ª edição, 1932, de Homero Prates |
TIO LAUTÉRIO
O narrador
do poema Antônio Chimango é o Tio Lautério:
E puxando o barbicacho
Pondo o chapéu na nuca,
Como quem sente a mutuca,
Levantou-se o tio Lautério,
Mulato velho mui sério,
Cria de dona Maruca.
Foi logo direito aos troços,
Trouxe de lá o instormento,
Ficou pensando um momento,
E, se aprumando direito,
O Lautério abriu o peito
E assim cantou ao relento.
Para les contar a vida
Saco da mala o bandônio,
A vida de um tal Antônio
Chimango – por sobrenome,
Magro como lobisome,
Mesquinho como o demônio.
(trecho do poema Antônio Chimango)
(trecho do poema Antônio Chimango)
O outro
personagem é o Antônio Chimango, alcunha de Borges de Medeiros, então
presidente do Estado do Rio Grande do Sul.
Tio Lautério
existiu mesmo, chamava-se Eleutério Faria. Viveu pelas fazendas da família
Borges Faria de São Sepé – propriedades de Matheus Faria, Afonso Faria e
filhos, de quem Ramiro Barcelos era grande amigo.
Eleutério
nasceu em 1854 e faleceu em 1942, em São Sepé, RS, onde sempre viveu. Fora
escravo e depois, liberto, como peão de estância. Conheceu como poucos todas as
lides campeiras.
Tio Lautério
era “mulato mui sério. Cria de Dona Maruca.” Esta era esposa do capitão Afonso
Faria e se chamava Maria Joaquina Borges Faria.
Era a mãe de criação de Tio Lautério.
O Lautério
era um mulato mui prosa e muito viajou com Ramiro Barcelos, amigo de seus
patrões, em suas andanças políticas.
Mais tarde Ramiro Barcelos escreveu em trovas os versos do Antônio Chimango, tendo por personagem-narrador o Tio Lautério.
Eleutério mereceu tal escolha. Era homem capaz de todas as proezas que o poema
narra com um colorido somente comparável às sextilhas de Martin Fierro. (J.
Patrocínio Motta. Tio Lautério, o mito e
a realidade. Correio do Povo, Caderno de Sábado, 18 e 25 de janeiro de
1969).
Edição de Artes e Ofícios, 2000 |
Edição de Martins Livreiro - 1978 |
EDIÇÕES DO ANTONIO CHIMANGO, DE RAMIRO BARCELLOS
1915 -1ª - Feita por Amaro Juvenal (Ramiro Fortes de Barcellos), publicada em Pelotas, 1915
1923 -2ª - Publicado por Fernando Barreto, do jornal Última Hora, 1923 com data de 1915. Ainda em 1922 saiu pelas colunas do Jornal Última Hora, o poemeto de Amaro Juvenal.
1925 - 3ª - Traz na capa Livraria Positivista, Editora Rua da Igreja, Porto Alegre, 1925.
1929 - 4ª - De Arnaldo Melo, Correio da Serra, Santa Maria, 1929.
1932 - 5ª - "Antonio Chimango e sua continuação", Schmidt Editor,RJ, 1932
1946 - 6ª - Da revista Província de São Pedro, nº6, Editora Globo, Porto Alegre, 1946.
1951 - 7ª - Da revista Erechim, do nº 2 em diante, Erechim, RS, 1951.
1952 - 8ª - Da Editora Globo (Coleção Província), Porto Alegre, em 3 edições: 1952/1957/1961.
S/d - Edição da revista Horizonte, Porto Alegre.
1965 - Almanaque do Correio do Povo, Porto Alegre, 1965, entre as páginas 242 e 257.
1978 - 21ª edição - Martins Livreiro, Porto Alegre, 1978.
1982 - De Martins Livreiro.
1986 - De Martins Livreiro
1998 - 25ª edição - Martins Livreiro, 1998
1999 - Editora Mercado Aberto
2000 - Da editora Artes & Ofícios, Porto Alegre, 2000.
Em italiano: Com o pseudônimo de "Menego dal Mánega", o Monsenhor Dr. João Maria Balém traduziu o Antonio Chimango para o dialeto vêneto.
2016 - Antônio Chimango - poemeto campestre de Amaro Juvenal. Coordenação de Augusto Fischer. 2 vols., ilustrados, Porto Alegre:Modelo de Nuvem, 2016. Estudo crítico da obra por vários autores.
O poema de Ramiro Barcellos provocou várias imitações:
Waldemar Corrêa sob o pseudônimo de Dino Desidério publicou "A volta de Antonio Chimango, poemeto gauchesco", 1935, 107 páginas.
Homero Mena Barreto Prates sob o pseudônimo de Juvenal, o moço, publicou Antonio chimango e sua continuação. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1932. É a 5ª edição, relacionada acima.
Zeca Blau - Trovas da estância do abandono de Da. Brasilia Comarca. Cantadas por Zeca Blau (José Figueiredo Pinto - Tupanciretã, RS, 22.7.1899; Santiago, RS, 6.12.1974). São Pedro, RS: Ed. da Tip. de O Comércio, 1933, 87p. A 2ª edição saiu pela Editora Grafipel em 1959; 3ª edição, 2013, Editora Pallotti.
OBRAS SOBRE O ANTONIO CHIMANGO E SEU AUTOR
Mayer, Augusto - Prosa dos pagos. 1ª ed., Rio de Janeiro:Livraria Martins Editora, 1943. Já foram tiradas 4 edições:2ª ed., 1960, Rio de Janeiro:Livraria São José, 1960; 3ª ed., Rio de Janeiro:Presença Edições/INL-MEC, 1980; 4ª ed., Porto Alegre:Instituto Estadual do Livro:Corag, 2002.
Martins, Maria Helena - A agonia do heroísmo, contexto e trajetória de Antonio Chimango. Porto Alegre:Ed. UFRGS; L&PM, 1980, 182p.
Traz extensa bibliografia sobre Antonio Chimango e seu autor. A maior parte publicada em periódicos.
Medeiros, Pedro Paulo - Para meus netos compreenderem Antonio Chimango. Santa Maria:UFSM, 1985.
Pires, Ary Simões - Um gaúcho sepeense: tio Lautério. Santa Maria:Palotti, 1957.
Porto Alegre, Aquiles - Homens Ilustres do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:Livraria Selbach.
Rabuske, Arthur - O gaúcho Martin Fierro e Antônio Chimango. Separata da revista "Estudos Leopoldenses", nº 39, São Leopoldo:Instituto Anchietano, 1976.
LP "Antônio Chimango - poemeto campestre". Música de Martin Coplas e texto de Ramiro Fortes de Barcellos. Stereo. Cantares Discos do Brasil, 1982.
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